13 de mai. de 2011

Cultura e Pacto Pela Vida

Por Albino Rubim, Secretário de Cultura do Estado da Bahia


O Pacto Pela vida agenda a violência como tema vital a ser enfrentado pela sociedade baiana e a coloca em debate público. A violência expressa nosso País em suas maiores mazelas: profunda desigualdade social, autoritarismo cotidiano, desrespeito aos direitos, fragilidade da cidaddania, etc. elas reafirmam que a violência nãoé apenas caso de polícia, mas de democratização do Estado e da sociedade.


O Estado no Brasil e na Bahia, privatizado, serviu historicamente apenas às elites e esqueceu a maioria da população, destituída de todos os direitos que devem ser assegurados, de modo republicano, pelo Estado. Superar a situação de violência implica a democratização do Estado, garantindo direitos e serviços para todos.


Mas não cabe resolver a ausência do Estado apenas deste modo. Trata-se também e fundamentalmente de fazer com que o Estado democrático seja capaz de assegurar condições adequadas de convívio social e civilidade para que a cidadania possa se realizar. A mobilização dos cidadãos é imanente ao combate à violência. Hoje ela está bloqueada pela violência nos territórios controlados pelos traficantes. O empoderamento da sociedade civil requer a superação deste constrangimento, só assim ela pode se organizar e expressar livremente.


Este processo de reconfiguração democrática no Estado e da sociedade apresenta alta complexidade, mas a singularidade das culturas torna ainda mais complexa sua atuação. A universalização dos direitos econômicos, sociais e políticos busca assegurar a todos oportunidades semelhantes. No âmbito da cultura e da educação – entendida como modalidade de transmissão de fluxos e estoques culturais entre gerações -, importa, além da expansão dos direitos e serviços, uma crucial sintonia entre conteúdos acionados pelo Estado e imaginários da população.
Culturas são simbolizações das experiências vividas. Elas, no Brasil e na Bahia, expressam vivências marcadas por condições muito desiguais e diferentes. Logo, abismos culturais separam parcelas de nossa população. Tais fossos não são apenas decorrentes de distinções educacionais, mas resultam de experiências vividas, sentidas e significadas em circunstâncias radicalmente desiguais e diferentes.


Tais fossos culturais colocam com toda potência a questão de quais modalidades de culturas devem acompanhar a atuação do Estado no Pacto pela Vida. Uma resposta rápida e quase pronta seria propor uma cultura de paz. Mas o que significa paz para pessoas com experiências societárias tão desiguais e diferentes? Os ativistas político-culturais estão desafiados a dar respostas sensíveis a esta intrigante questão. Sem isto, as culturas não serão efetivamente capazes de agir para superar situações de violência, que no dia-a-dia destroem relações sociais e espaços públicos, convivências imprescindíveis para a vitalidade das culturas. Uma intervenção cultural insensível corre o risco de ela mesma se transformar em mais uma violência.


A atuação delicada das culturas não pode conviver com imposições unilaterais. Ao contrário, deve buscar um diálogo contínuo que permita auscultar a população: seus interesses, preocupações, modos de viver e de simbolizar o mundo. Reconhecer estas culturas deve ser o passo inicial para uma respeitosa identificação de interlocutores, o ponto de partida para qualquer atuação cultural conseqüente.


Os interlocutores devem ser assumidos e capacitados como ativistas culturais, inclusive para realizar um mapeamento cultural do território, que possibilitará a organização de uma rede cultural, envolvendo agentes, instituições e atividades, e de mostras culturais, articuladas por eles em colaboração com a Secretaria Estadual de Cultura. Mas esta atuação não se restringe às culturas do território. Ela combina as culturas do lugar com as de outros espaços da cidade e da nação para reafirmar as conexões contemporâneas entre local, regional, nacional e global. Estes procedimentos buscam estimular o desenvolvimento de uma cidadania cultural, imprescindível à superação da violência.


Jornal A Tarde, Opinião, 12 de maio de 2011.