Por João Freire
Padre Adenilton não era profeta. Mas percebeu que aquela menina ti¬nha talento para a comunicação. Incentivada pelo padre, aos nove anos, Gislene Moreira começou a trabalhar em uma rádio comunitária na cidade baiana de Rui Barbosa, distante 300 quilômetros de Salvador, e não parou mais. Filha de camponeses e relações públicas por formação, Gislene era coordenadora de articulação da ONG Cipó – Comunicação Interativa e agora está no México, onde cursa o doutorado. Gil, como é conhecida, participou do grupo de trabalho que organizou a I Conferência de Comunicação Social da Bahia, realizada em agosto passado.
A Conferência teve como objetivo promover o direito humano à comunicação e já se tornou um marco histórico. A Bahia, que teve um papel importante na consolidação da independência do Brasil – quando expulsou os portugueses de Salvador, em 2 de julho de 1823 –, agora se destaca com a Conferência de Comunicação, a primeira do gênero realizada no Brasil, uma importante contribuição para a democratização da comunicação em nosso país.
Na Bahia, assim como em outros estados brasileiros, o coronelismo sempre dominou os meios de comunicação. “É preciso muita coragem para enfrentar os 500 anos de dominação da nossa história, que hoje se traduz na dominação dos meios de comunicação”, destacou Gil Moreira na abertura da Conferência.
Pouco tempo atrás, seria impensável fazer o que o governo da Bahia e a sociedade civil fizeram. Uma ampla e democrática conferência para discutir políticas públicas e democratização da comunicação. Nunca houve diversidade nos meios de comunicação da Bahia. Uma única e poderosa voz determinava o que os baianos liam e assistiam nos meios de comunicação.
Falecido há pouco mais de um ano, o ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães – mais conhecido como ACM – comandava essa voz. Amigo próximo do empresário Roberto Marinho (Organizações Globo), controlava um império de comunicação que incluía seis geradoras e 311 retransmissoras de TV (todas afiliadas da TV Globo), além de rádios, jornais e uma operadora de TV paga.
A eleição do governador Jaques Wagner (em 2006) foi a maior derrota política de ACM e a realização da Conferência de Comunicação representa mais um revés para os poderosos coronéis midiáticos, que insistem em tentar manter a comunicação sob a tutela de seus interesses e, assim, se perpetuar no poder.
“A democracia brasileira não será completa se não cumprirmos a etapa da democratização da área de comunicação”, advertiu o secretário de Comunicação da Bahia, Robinson Almeida, coordenador-geral da Conferência. “O estado tinha que dar sua contribuição e demonstrar para o Brasil que é possível fazer um debate democrático sobre comunicação”, concluiu.
Segundo o governo da Bahia, mais de 2.500 pessoas, das várias regiões do estado, se mobilizaram e participaram das oito plenárias preparatórias, realizadas de Eunápolis (no Sul do estado) a Juazeiro (no Norte). Nessas reuniões, foram eleitos os 300 delegados que participaram do evento em Salvador.
Os baianos demonstraram grande capacidade de mobilização e de comprometimento com a Conferência, que não se esvaziou ao longo dos três dias de trabalho. O calor dos debates deixou claro que a sociedade brasileira deseja mudanças urgentes na comunicação e quer participar das decisões sobre as políticas públicas do setor.
“As empresas de comunicação defendem a democracia e a liberdade de expressão, mas não admitem uma diversidade maior. Os meios de comunicação debatem tudo, menos a realidade deles próprios”, reflete Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República, que representou o governo federal no evento. “Eu espero que [a Conferência] se reproduza pelos 26 estados da federação e pelo Distrito Federal para que consigamos, de fato, dar um passo significativo nesse processo de consolidação da democracia no país”, acrescentou Tibúrcio. O secretário Almeida completou: “É possível fazer uma conferência estadual e é possível fazer uma conferência nacional”.
Formada em 2007, a Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação reúne mais de 20 entidades da sociedade civil organizada e tem como objetivo mobilizar a sociedade e pressionar o governo federal para convocar uma conferência nacional a ser realizada em 2009.
Apesar de a comissão já ter apresentado a proposta para os ministros Luis Dulci, Franklin Martins e Hélio Costa, ainda não há sinal de que o governo pretenda atender essa demanda. Apoiado em conceitos absurdos como a liberdade de expressão comercial, o lobby dos controladores da mídia – representado pelos 198 deputados e 38 senadores da Frente Parlamentar da Comunicação Social – tem conseguido evitar o debate e retardar a convocação da conferência. Seria muito útil se os empresários do setor praticassem a responsabilidade social empresarial e se dispusessem a debater as questões da comunicação com a sociedade.
A Comissão Pró-Conferência participou ativamente do evento. “O evento demonstra ao governo Lula, em especial ao Ministério das Comunicações, que a nação brasileira quer e exige a realização da conferência nacional, para poder discutir políticas públicas de uma comunicação inclusiva que represente as diversidades brasileiras”, afirmou José Sóter, coordenador executivo da Abraço Nacional – Associação Brasileira das Rádios Comunitárias – entidade integrante da Comissão.
A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) também participou do evento em Salvador. “Pelo peso que tem a Bahia, essa Conferência vai ter impacto político junto ao governo federal para que se consiga a Conferência Nacional de Comunicação. Nós temos que ir ao presidente Lula”, clamou a deputada. Erundina integra a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, espaço onde os interesses das empresas de comunicação sempre falaram mais alto do que os interesses da sociedade.
Atualmente, a CCTCI é presidida pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que demonstra estar alinhado às reivindicações da sociedade e defende a urgência da convocação da conferência nacional. “Nós queremos a conferência para discutir o uso da comunicação como ferramenta de democratização”, afirmou Pinheiro em entrevista para o Observatório do Direito à Comunicação.
No documento final do evento, a Carta da Bahia, há um destaque para o controle social da mídia. A plenária propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação, cobra ações do governo para a universalização do acesso à internet banda larga e entende que é essencial o fortalecimento da comunicação comunitária (rádios e TVs) no estado. “Se nos for garantido o direito à comunicação, iremos assim quebrando paulatinamente os monopólios das minorias privilegiadas sobre os meios de comunicação social de massa e combatendo os impérios oligárquicos regionais vinculados à propriedade privada sobre a terra e os meios de produção”, prega o documento.
Mais um importante passo foi dado para a democratização da comunicação no Brasil.