6 de jun. de 2008

Paulo Lima sai da Fundação Gregório de Mattos

Paulo Lima sai da Fundação Gregório de Mattos certamente dando exemplo à administração do prefeito João Henrique de como se fazer política com participação popular. De certo também, é que seu exemplo não foi seguido.
Leia a carta de despedida publicada no jornal Atarde:
AQUELE ABRAÇO

Entrei na Fundação Gregório de Mattos com a idéia de que a grande riqueza cultural da cidade vinha de sua gente, do tesouro de saberes das comunidades. Saio com a certeza tranqüila de ter passado da idéia ao desafio concreto da realização — “o saber de experiência feito”, como diria Camões. Confira: http://www.cultura.salvador.ba.gov.br/

O curioso é que se deixei algumas marcas, muito maiores são aquelas que essas pessoas deixaram em minha cabeça e espírito. O rico processo de conhecê-las, cada qual em seu contexto; o privilégio de acompanhar a labuta pela realização de projetos, a perplexidade compartilhada diante dos obstáculos. E muitas vezes a alegria de superá-los, ou a simples alegria de estar juntos...

O fato é que considero essas pessoas como gente de uma qualidade muito especial — evito dizer superior porque gente não se mede, mas não posso negar que a palavra me ocorre. Talvez a riqueza do relacionamento com as lideranças culturais populares venha do patamar ético da interação. Não são agentes solitários lutando por benefícios individuais e transfixados pelo discurso da mídia — ‘seja famoso ou irrelevante’. Depois de algumas frases você já percebe que há toda uma gama de atores envolvidos, e uma sensação muito especial de comunalidade. Aquela responsabilidade neurótica (e tão acadêmica) de produzir ‘algo relevante para o mundo’ vai sendo suavemente dissolvida pela vivência do cotidiano.

Outro dia assisti a uma apresentação do grupo de jovens do Mestre Jorjão Bafafé (Engenho Velho). Eles tocavam ritmos incríveis, variantes do ijexá, as meninas estavam vestidas como princesas e assim gesticulavam, cantavam e falavam. O Mestre estava num canto tocando seu atabaque — a pedagogia era invisível de tão excelente. O desejo de acontecer jorrava pelo ambiente. Quem tiver ousadia para pensar um projeto de cultura e educação para a cidade de Salvador só pode partir de experiências desse tipo. E, por essa via, o contexto popular vira erudito. Aliás, para quem tem boa vista, há universidade por todo canto e cabaça.

Estou dizendo dessa forma que quem enxerga a essência dos contextos populares, enxerga também o compromisso com a erudição e a pesquisa, os desafios desse diálogo — sendo essa uma plataforma política pela qual muita luta ainda se faz necessária, agora com um fórum privilegiado, o Conselho Municipal de Cultura.

Comunalidade, erudição e pesquisa, pra quê? Para alicerçar outros modos de produção na cidade, para viabilizar núcleos descentralizados de mobilização criativa — articulando idéias e produtos, produção e circulação — sem perder de vista a erudição, o mundo digital, o enraizamento e mercados onde o consumidor não seja mero engolidor de tralhas.

Quando falo nessas coisas, lembro de muita gente, cito algumas representando todas as outras: Mãe Sttella, Fred Abreu, Gilberto Leal, Padre Alfredo, Zapata, Edemilson da Sofia, Cuca, Chuchuca, Cambuí, Dona Conceição, Papadinha, Mãe Val, França, Kalile e Domingos Sérgio. E se você, de tudo isso pouco entendeu, como ía dizendo — Aquele abraço!

PAULO COSTA LIMA / Compositor e educador, ex-presidente da Fundação Gregório de Mattos. E-mail: paulocostalima@terra.com.br

Publicado no Jornal A Tarde, 04/06/2008

Editoria: OPINIÃO

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